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terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

A MAIS SANGRENTA REVOLTA (93)


Muitos historiadores se referem à Revolução Federalista de 1893, como um fato que não deveria merecer destaque nos anais da história brasileira e rio-grandense devido à extrema violência protagonizada pelas partes que disputavam o controle político do estado do Rio Grande do Sul.


Décio Freitas conclui que foi a mais violenta entre todas as guerras civis da América do Sul. (...) Emílio de Souza Docca simplesmente se negou a incluir a guerra federalista na sua História do Rio Grande do Sul: “esta revolução é um capítulo doloroso em nossos anais, que merece nossa condenação, e o fazemos silenciando sobre seus acontecimentos”. (RBS Publicações; 2004, pág. 195)

Mesmo hoje sendo pouco lembrado, não tendo destaque sequer em livros didáticos de História, esta Revolução marcou de forma indelével o caráter político e ideológico o povo do Rio Grande do Sul, dividindo-os sob a representação estampada de duas cores: vermelho (maragatos) e branco (chimangos).

"A divisão entre republicanos e federalistas marcou a tendência política bipolar da realidade gaúcha. Embora a permanência acentuada do Partido Republicano no poder, as oposições sempre presentes, deixando traços dessas divergências até momentos atuais." (FLORES, 1993, pág. 40)

A queda do Império brasileiro devido a uma corrupção generalizada e à uma figura representativa (D. Pedro II) desgastada, trouxe consigo imensos atritos e disputas pelo poder tanto a nível nacional, como á nível de estados. O Rio Grande do Sul, sempre representado por seus políticos influentes teve um papel importante na mudança da forma de governo brasileiro, que entrava para o regime republicano; Gaspar Silveira Martins, que fora eleito o deputado mais votado pelo Partido Liberal Histórico, em 1862, com o fim da monarquia viu os clubes republicanos, que aspiravam o poder, enfim conquistarem os graus mais altos da política brasileira e rio-grandense.

A forte propaganda e difusão republicana no Rio Grande do Sul, sob o mito da Revolução Farroupilha, elevou os Republicanos ao poder, quando Julio de Castilhos, depois de fundar o Partido Republicano Rio-grandense, assume a Secretaria do Governo do Estado e incute os ideais positivistas que vinham sendo difundidos pelo mundo, através das teorias de Augusto Comte que pretendia um “governo forte, comandado por mentes iluminadas”.

Para chegar à hegemonia do poder no estado, Julio de Castilhos demitiu liberais que ocupavam cargos públicos, buscou o apoio do exército e da Brigada Militar, nomeou correligionários e decretou o voto não obrigatório, com exceção dos cargos públicos que estavam obrigados a votar declarando abertamente a opção do voto. Assim controlando se realmente seus funcionários o apoiavam nas decisões tomadas por ele.

Em 1891, Julio de Castilhos reformulou a Constituição do Estado, criando leis que o favoreciam e assim ganhou uma oposição ferrenha que reivindicava direitos frente ao autoritarismo implantado por ele no governo no estado.

Nesta oposição declarada à Julio Prates de Castilhos, destacou-se um líder político de muita influencia no Estado que fora deputado anteriormente: Gaspar Silveira Martins, apoiado por Joca Tavares, Juca Tigre, João da Silva Tavares e outras grandes representações políticas e oligárquicas que estavam exiladas no Uruguai armam-se contra a ditadura implantada sob a figura positivista de Castilhos. E usando-se de táticas de guerrilhas, unindo monarquistas, republicanos descontentes, presidencialistas e parlamentaristas, Silveira Martins organiza milícias armadas e com táticas de guerrilha a cavalo deflagra a revolução em 1893, mesmo sem ter um plano sistemático, o que lhe causou a incapacidade de tomar grandes decisões.

Enquanto isso, Castilhos planejava anular a oposição de forma completa, pois além de ter um partido monolítico e fiel à ele, estava apoiado pelo exército e pela Brigada Militar, podendo assim aniquilar qualquer forma de tentativa de golpe possível.

"Não cederemos um passo do terreno tão laboriosa e honradamente conquistado; não nos é lícito desonrar as tradições de 11 anos inteiramente consagrados à evangelização dos mais puros princípios e da felicidade nacional." (A Federação[1], 01-01-1894)

Porem, ainda em 1891, os federalistas conseguem depor Castilhos, iniciando um pequeno, mas conturbado período que foi chamado de “Governicho”, que durou apenas 11 meses e terminou com a reintegração de Julio de Castilhos em 1893, onde a guerra já estava declarada por ambas as partes.
Nesta que foi considerada uma das mais brutais guerras em solo sul-americano, a violência não esteve estampada apenas nos campos de batalha, mas nas ideologias partidárias que usaram da mídia da época (os jornais) para expressar todos os seus apreços e ideais (quer fossem favoráveis ou contrários à causa).

"Nessa guerra ideológica, de opiniões, os federalistas apresentavam os republicanos como ditadores, violadores dos direitos sociais e individuais. Os republicanos, por sua vez, exaltavam seus exércitos e apresentavam os federalistas como restauradores da monarquia, inimigos da República e, até mesmo, como canibais." (FLORES; 1993, pág. 32)

Na história brasileira, a imprensa sempre esteve diretamente ligada política, tanto nas aspirações dos republicanos de ascenderem ao poder, ainda no período monárquico, como no período posterior à 1889; apoiando interesses de grupos privilegiados, da aristocracia, ou ainda, servindo de válvula de escape para os reclames de grupos minoritários, os jornais sempre influenciaram no pensamento da nação brasileira e do povo gaúcho que, muito politizado desde seu surgimento, usou-o como arma, também na Revolução de 1893.
Em meio à toda esta guerra que vitimou mais de 1% da população do Rio Grande do Sul[2], estavam envolvidos outros números, merecedores de destaque, dentro da cronologia da Revolução de 1893: italianos e alemães, que compreendiam 1/8 da população gaúcha[3], quando deflagrada a animosidade política no Estado.
Os alemães apoiavam Gaspar Silveira Martins, que era considerado “benquisto” nas colônias alemãs, assim na serra gaúcha, os republicanos encontraram forte oposição ao governo de Julio Prates de Castilhos. E tais alemães eram vistos como um “perigo” iminente, caso estes declarassem apoio em armas à causa legalista.
O maior medo republicano veio quando, Karl Koseritz, amigo de relações próximas á Silveira Martins, juntamente com outros colonos alemães, fundam o Partido Colonial, reivindicando melhorias de vida e sociais ao seu grupo, no que ficou conhecido como “o programa dos 13 pontos”[4].
Assim como os alemães, a grande colônia italiana teve que expressar apoio à causa federalista, pois também sofreram frente ao autoritarismo do governo positivista de Julio de Castilhos; onde foram registradas por meio de cartas diplomáticas, mais de 400 agressões físicas e morais aos moradores das colônias italianas, envolvendo até incidentes com morte, como foi o caso de um jovem italiano que teve sua costela arrancada, assada e posta na boca, em retaliação à declarações feitas por ele ao governo castilhista[5].
Em Caxias do Sul, os maragatos tiveram apoio na invasão da cidade, mesmo assim Borges de Medeiros, sucessor de Julio de Castilhos, afirmava às autoridades italianas que nada houve que estas comunidades italianas sempre estiveram de acordo com os princípios de ordem do Estado.
Retrato desta violência explícita (anteriormente citada no ato de vandalismo animal, onde uma pessoa teve sua costela arrancada do corpo e posta na boca) as crueldades cometidas na Revolução de 93 foram destaque histórico, tanto pelos requintes de maldade, como pelo alto índice destas práticas. Merecendo destaque pela forma simples e eficaz, a degola foi uma cena marcante na vida dos gaúchos que presenciaram a revolta federalista de 1893.

"Por onde passavam, espalhavam o terror entre os adversários. Partidários da revolução eram trucidados em nome da salvação da republica e os amigos do governo eram perseguidos, e aniquilados perante o liberalismo maragato. Nas pequenas comunidades, os homens, quando podiam, fugiam para os matos. E os velhos, mulheres e crianças, nem sempre poupados, recebiam aterrorizados os bandos que se disseminavam pelos campos. Vivia-se a revolução pela sucessão de execuções, castrações, estupros e degolamentos." (FLORES; 1993, pág. 46)

Gumercindo Saraiva, líder federalista que comandou tropas até o Paraná levando a Revolução à outros estados, teve sua cabeça decapitada e enviada ao governador Julio de Castilhos, reforçando ainda mais as barbáries cometidas nos campos de guerra do Rio Grande do Sul.

"Em 27 de Junho de 1894, Gumercindo Saraiva enfrentou sua última grande batalha, e no dia 10 de Agosto morreu com um tiro no peito.
Numa guerra de barbáries em ambos os lados, dois dias depois de enterrado, seu corpo foi retirado da cova, teve a cabeça decepada e levada em uma caixa de chapéus ao governador Júlio de Castilhos. Seu corpo, mais tarde, foi levado e sepultado no Cemitério Municipal de Santa Vitória do Palmar, sem a cabeça." (Fonte: http://pt.wikipedia.org)

Banhado em sangue, o Rio Grande do Sul, viveu anos merecedores de luto nacional, porém, desta mescla de valores políticos e forças medidas em plenário e nos campos de batalha, resultaram grandes nomes no panorama nacional que: Borges de Medeiros, Gaspar Silveira Martins, Julio de Castilhos, Getúlio Vargas, Pinheiro Machado, João Goulart, Flores da Cunha[6], entre outros; que fundados neste caráter politicamente forte, sempre expressaram nacionalmente que o Rio Grande do Sul é um dos estados onde os ideais sempre foram levados à sério e aos extremos[7].
Os atritos da Revolução de 1893, findados em 95, mas com a permanência do PRR no poder por 33 anos com Borges de Medeiros reelegendo-se de formas contestáveis pela oposição, ainda continuaram gerando revoltas no estado, até que em 1923, foi assinado o Pacto de Pedras Altas[8], findando o derramamento de sangue nos verdes campos do Rio Grande do Sul.


Referencial Teórico

FLORES, Moacyr (org.). A Revolução dos Maragatos 1893-1895. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1993

RBS Publicações. História Ilustrada do rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2004

SITES acessados em 28/05/2006:

- http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_2.asp

- http://pt.wikipedia.org


[1] Jornal Republicano, expressando manifesto contrario à causa legalista e incitando que não pretendia a paz com armas.
[2] Fonte: RBS Publicações, 2004
[3] Fonte: FLORES, 1993
[4] No qual a Colônia, por meio do partido reclamava, entre outros: uma representação autônoma da “Colônia” na Assembléia do Estado, divisão dos municípios para melhorar a eficácia administrativa, simplificação dos processos e diminuição dos custos judiciais e dos inventários, fundação de uma universidade, de uma escola agro-industrial-comercial e de uma escola de parteiras, e melhorias nas estradas, com aplicação de um terço da dívida colonial onde era arrecadada. (Fonte: FLORES; 1993, pág. 64)
[5] Fonte: FLORES, 1993
[6] Políticos citados por Tancredo Neves em depoimento à entrevistadora Valentina da Rocha Lima. Getúlio Uma História Oral. Rio de Janeiro: Record, 1986.
[7] Exemplo deste extremismo, podemos citar o Presidente Getulio Dornelles Vargas, que preferiu a morte, deixando um legado político ao Brasil, do que a derrota frente à oposição. (opinião do autor)
[8] A guerra civil no Rio Grande do Sul terminou em dezembro de 1923 por um acordo de paz assinado sob a égide do governo federal em Pedras Altas, estância de Assis Brasil. O Pacto de Pedras Altas vedou nova reeleição de Borges, mas garantiu o mandato que exercia no Executivo estadual. (Fonte: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5458_2.asp)

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