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sábado, 10 de março de 2007

ECOS DE UMA TRAIÇÃO ANUNCIADA

Após 1492 – data que inclusive dá nome ao filme que retrata a chegada do europeu ao novo continente até então desconhecido – os europeus se lançaram na exploração das terras descobertas e trouxeram da Europa seus costumes, causando um choque-cultural com os índios residentes neste território. Em alguns lugares, mesmo havendo este choque de culturas, o processo de aculturação foi pacífico; e nesta aceitação do índio pela cultura do branco europeu, foi que a Companhia de Jesus chegou nas Américas - em 1534 o Papa Paulo III decretara que o índio era ser humano e tinha alma - e assim em 1607 os Jesuítas fixaram-se no centro da América do Sul, fundando a primeira Província Jesuítica do Paraguai.



A história da grande nação Guarani remonta milhares de anos, pois este grupo indígena faz parte do tronco Tupi, que por volta de 2.000 anos A.P. desceu das florestas da Amazônia em busca de novo habitat – já que houve uma grande seca neste período – e por toda a região abaixo da Linha do Equador ocupou terras ao longo das bacias hidrográficas, subjugando os povos já ali existiam, fixando-se onde hoje compreende o território do Paraguai, sul do Brasil, Argentina e Uruguai e constituindo um grupo de mais de dois milhões de pessoas, conforme os etnólogos citam. Pedro Ignácio Schmitz faz menção desta população no livro O Guarani: História e Pré-História.

Mesmo carregando no nome agressividade e belicosidade – pois Guarani significa “gente guerreira” – os Jesuítas encontraram facilidade de aproximação com estes índios e juntos erguem as primeiras Reduções Jesuíticas por volta de 1626. As bandeiras de Raposo Tavares, entre outros, destroem o sonho de sociedade criada pelos jesuítas junto aos guaranis que expulsam os padres e a criação de gado trazida por eles se espalha reproduzindo-se livremente pelo continente trazendo à esta região os “coureadores” que matavam o gado somente pela comercialização do couro.


Em 1680, Manoel Lobo fundou a Colônia de Sacramento, bem em frente ao Porto de Buenos Aires, acirrando uma disputa pelo escoadouro do Rio da Prata. Os Jesuítas novamente voltaram ao sul, com a missão da catequese entre os guaranis, mas também para controlar a posse do território, já que agora havia um câncer português em terras espanholas e o medo de que este câncer se reproduzisse era latente. 1682 marcou o retorno dos Jesuítas ao chamado Continente de São Pedro; desta vez apoiados pela coroa espanhola, os padres voltavam a fazer o trabalho de catequese e educação dos guaranis que ajudaram a levantar mais de 30 reduções no que seria a segunda fase destas e de 1720 até 1756 se daria a época dourada dos Povos Missioneiros.

O crescimento irrefreável das reduções era impressionante e a sua auto-sustentação fez as Coroas Espanhola e Portuguesa voltarem os olhos para esta parte da América, pois da forma crescente que desenvolviam-se as Reduções, era provável que dentro de muito pouco tempo a Província Jesuítica não necessitasse mais depender de Espanha ou de qualquer outra nação européia. Nas reduções, produzia-se de tudo, os índios guaranis aprenderam, inclusive, a lidar com metal e com tecelagem, e todo o excedente de suas produções era comercializado e exportado para o restante da América e Europa.




Temendo perder a posse das terras, que lhes foi concebida pelo Tratado de Tordesilhas, para esta nova nação que se formava no meio do mato e do campo, Espanha uniu forças com seu maior rival, Portugal, e acordaram um novo Tratado, o de Madrid, que decretava que os Sete Povos das Missões seriam dados pela Espanha à Portugal em troca da Colônia de Sacramento que pertencia aos lusitanos. Dessa forma a utopia da batina - que detinha mais de 40 mil guaranis vivendo em sociedade - deveria acabar, impedindo seu avanço social. A coletividade, a organização, a vida social dos índios, que saíram do mato para viverem em harmoniosa convivência tornara-se um perigo para Espanha e Portugal, e por isso não poderia mais continuar existindo tal risco às Coroas.



Os padres Jesuítas tentaram expor a situação decorrente do Tratado de Madrid aos índios que não entendiam como que a Nação para quem eles trabalharam não os queria mais e, revoltados, se negaram-se á sair das terras que eles herdaram de seus antepassados e das construções que eles ergueram em nome de Deus e da Santa Igreja Católica. Durante mais de cinco anos muitas tentativas de acordo foram feitas sem sucesso entre índios, padres e representantes das Coroas, e os Exércitos de suas majestades já se preparavam para tomar por meio da força o território pertencente aos guaranis.

Os "ecos de uma traição anunciada" levaram Sepé Tiaraju a liderar o levante armado de índios contra Portugal e Espanha; este que nascera e vivera sob a égide de duas culturas, a guarani e a jesuíta; Sepé na redução de São Miguel foi capitão, Corregedor e Alferes Real do Cabildo do Povo de São Miguel da Província Jesuítica do Paraguai e capitão da guarda. Seu status lhe possibilitou insuflar a revolta armada dos guaranis que foram à luta em defesa de suas terras.


Portugal e Espanha formaram um exército só para dizimar agora os índios que não aceitaram o Tratado de Madrid e também partiram para o confronto bélico liderados pelo governador do Rio de janeiro Gomes Freire e pelo espanhol Marquês de Valdelírios; Enquanto do outro lado as hostes guaranis eram comandadas por Sepé Tiaraju.

Alguns embates ocorreram, causando baixas dos dois lados em conflito, mas em 07 de fevereiro de 1756, nas margens da Sanga da Bica – hoje atual município de São Gabriel – caiu ferido mortalmente o herói indígena Sepé Tiaraju, que a história dos vencedores exalta afirmando que lhe foi fincada uma lança espanhola e uma bala portuguesa. Dias mais tarde, em 10 do mesmo mês, Nicolau Nhenguiru, imediato de Sepé, liderou os guaranis no que foi o maior massacre já visto nesta região; em pouco mais de 15 minutos, as cargas de canhões e fuzis dizimaram mais de mil e duzentos guaranis no que foi chamada de “A Batalha de Caiboaté”, terminando com o sonho da sociedade criada onde ninguém acreditava ser possível. Os poucos índios que sobreviveram voltaram para as matas e atearam fogo nas reduções para não deixar intacto aos exércitos luso-espanhóis tudo aquilo que eles construíram.

Em maio de 1756, finalmente o Tratado de Madrid foi posto em prática, durando somente até 1777, quando outro Tratado, o de Santo Ildefonso devolveu as terras pertencentes às Missões novamente à Espanha, deixando gravado na história que o interesse maior daquela traição era desfazer a sociedade jesuítica-guarani.
Não há limites para a ganância das nações, não há, nunca houve e – talvez prevendo o futuro – não haverá. A força dos interesses sempre prevaleceu frente aos sonhos, às vontades, aos anseios da sociedade; em quase toda a história a força venceu a razão, a opressão derrotou a esperança, e aqui nos Sete Povos das Missões não foi diferente, pois aqui, novamente, o peso da injustiça, fez com que a espada vencesse a fé, e a ganância derrotasse a fraternidade.

REFERENCIAL TEÓRICO


BERNARDI, Mansueto. O Primeiro Caudilho Rio-Grandense – Fisionomia do Herói Missioneiro Sepé Tiaraju. Porto Alegre: Editora Globo, 1957.

COLL, Josefina Oliva de. A Resistência Indígena. São Paulo: Editora L&PM, 1986.

CHEUICHE, Alcy. Sepé Tiaraju – Romance dos Sete Povos das Missões. Porto
Alegre: Editora Sulina, 1984.

FLORES, Moacyr. Colonialismo e Missões Jesuíticas. Porto Alegre: Editora Est, 1996.

GOLIN, Tau. Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos Jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: EDIUPF, 1999.

GOLIN, Tau. Sepé Tiaraju. Porto Alegre: Editora Tchê, 1985.

RBS Publicações. História Ilustrada do rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2004

RS-VIRTUAL. Disponível na Internet ( www.riogrande.com.br/historia )

SCHMITZ, Pedro Ignácio. O Guarani: História e Pré-História. In: TENÒRIO, Maria Cristina (org.). Pré-História da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999