Total de visualizações de página

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

DIÁRIO DE UM PROVINCIANO QUE NÃO FOI PRA PRAIA COM A FAMÍLIA E DECIDIU FICAR SOZINHO EM CASA

Esta mania de gostar tanto de Uruguaiana a ponto de raramente querer sair da cidade (entendam que férias, pra mim, o mais longe que vou é até às Termas) sempre causou críticas e problemas familiares. Lembro da última vez em que toda família combinou de passar uma temporada na praia e eu fiz todos voltarem após dois dias de viagem alegando “saudade da terrinha”; depois disso nunca mais fui convidado para grandes viagens e eventos distantes da província. Porém, recentemente, minha família decidiu comprar um pacote de viagem para algum balneário daqui do Rio Grande e me convidaram para acompanha-los. Minha resposta não podia ser diferente: “Não, obrigado; vão vocês que eu ficarei cuidando a casa!”
Estava selado, ali, o meu destino. Todos eles foram viajar e eu fiquei para “cuidar da casa”.


DIA 01:
Dada a despreocupação por estar completamente sozinho em casa, levantei depois do meio-dia.
Como não achei comida pronta na geladeira, preparei um prato requintado que há muito tempo não cozinhava.
Aproveitei toda a tarde para jogar videogame e ler um livro.
Pela noite, convidei vários amigos para fazer um churrasco, tomar cerveja e jogar carta até altas da madrugada.
Meu primeiro dia sozinho foi ótimo!


DIA 02:
Acordei mais cedo do que eu esperava porque ouvi alguns latidos estranhos; lembrei que são meus cachorros lá no pátio. Acho que eles estão com fome; dei toda comida que sobrou de ontem com um pouco de ração, mas a menorzinha parece não ter gostado da comida. 
Depois do churrasco de ontem a casa parece estar meio desorganizada; pratos por todo lado, copos e latas de cerveja espalhados até no banheiro, manchas de gordura e restos de carne na estante da TV. Vou ligar para alguns amigos virem ajudar com a limpeza.
Ninguém pôde vir.
Acho que não terei tempo pra jogar videogame hoje.
Preciso limpar a casa mas não sei por onde começar.
Procurei na despensa produtos de limpeza, mas não sei pra que serve o tal de alvejante nem o que significa água sanitária.
Tentei tirar a gordura dos pratos com sabonete, mas só o que consegui fazer foi espuma.
Liguei para a nossa diarista vir limpar a casa, mas por ironia ela também está na praia.
Depois de três horas assistindo vídeos no youtube de “como limpar a casa”, passei outras cinco horas colocando em prática tudo o que acredito não ter aprendido direito.
Não tive tempo de cozinhar, pedi uma pizza. A cadelinha menorzinha que não havia gostado da comida para os cães, parece ter se agradado de pizza.
Meu segundo dia sozinho foi cansativo.


DIA 03:
Parece que entrei numa eterna rotina de: dar comida aos animais, cozinhar, lavar pratos, limpar a casa e arrumar o quarto. Até que fiz tudo isso rapidamente, em apenas quatro horas. Queria ver se me sobra tempo de passar de fase no jogo do videogame ou assistir um filme, mas o cesto de roupa suja está cheio e preciso lavá-las. 
Achei estranho que algumas roupas perdem a cor quando a gente coloca Ki-Boa na máquina de lavar. Onde será que se compra o produto pra devolver a cor das roupas?
Coloquei as roupas no varal e fiz um churrasco enquanto as peças secavam. A fumaça da churrasqueira perfumou as roupas.
Pela noite fui buscar minha namorada do curso e ela disse que eu e minhas roupas estávamos cheirando a bacon.
Ao chegar em casa percebi que os móveis estavam acumulando muito pó e tive que fazer uma nova faxina, agora com espanador e vassoura.
Estou com as costas doloridas de tanto varrer, cansado, com sono, fome e cheirando a bacon.
Neste terceiro dia sozinho estou me sentindo a Escrava Isaura depois de um dia de trabalhos forçados na Casa Grande. Vou dormir no meu quarto, que esqueci de limpar, e parece uma senzala.


DIA 04:
Estou me sentindo numa realidade paralela onde todos os dias são iguais: cozinhar, dar comida aos animais, lavar pratos, limpar a casa e tirar o pó dos móveis, sendo que ontem eu havia tirado.
Meus amigos me convidaram para jogar futebol logo a noite, mas não poderei ir porque preciso comprar mantimentos no supermercado, mas não sei o que comprar.
Vou ligar para minha tia, talvez ela saiba me orientar.
Minha prima disse que ela também foi pra praia.
Percebo que estou ficando afetado, depois que passei a maior parte do tempo no supermercado no setor de limpeza e ainda ajudei uma senhora que estava em dúvida sobre qual marca de desengordurante comprar.
Meu jantar foi apenas um miojo para não ter que limpar muita louça amanhã.
Antes de dormir recebi uma mensagem de meus parentes, perguntando se estava tudo bem e como eu estou.
Quatro dias que parecem quatro meses; e eu não estou bem.


DIA 05:
Não lembro mais há quantos dias estou sozinho.
Meus amigos ligaram perguntando se dava pra fazer um churrasco e tomar cerveja, assistindo o jogo de futebol na TV e mandei eles à m...
Não acesso facebook, twitter e e-mail há dias. Minhas novas redes sociais se restringiram a conversar com os cachorros e discutir preço de produto no mercado com as velhinhas donas-de-casa.
Cozinhar todos os dias se tornou uma tortura.
Recebi uma mensagem com foto, via celular, com toda minha família almoçando frutos do mar num restaurante de frente pro mar.
Joguei meu celular contra a parede de tanta alegria!


DIA 06:
Desisti de lutar contra a sujeira da casa.
Liguei a TV para saber o que está acontecendo no mundo lá fora e a repórter dizia: “Dia de muito sol e calor e as pessoas se divertindo na praia!”
Dei uma voadora na televisão.
Acabou a comida dos cachorros. Pedi uma pizza tamanho família e comi junto com eles, acho até que convidei minha cadela boxer pra jogar videogame comigo.
Pela noite, todos nós uivávamos. E eu comecei a achar tudo isso engraçado.


DIA 07:
Logo pela manhã minha família chegou da praia, felizes, contando todas as suas aventuras.
Perguntaram como foram os dias que fiquei sozinho cuidando da casa.
Apenas dei dois latidos e saí sem dizer onde estou indo.


O Provinciano, enfim, agora resolveu sair de férias!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

CACETINHO, MORTADELA E A ACEITAÇÃO DA CORRUPÇÃO NA POLÍTICA BRASILEIRA

Ano passado, em meio aos acalorados debates políticos que antecederam as eleições presidenciais, um velho senhor que escutava uma discussão entre alguns jovens e eu, interrompeu nossa conversa e deu sua sábia - porém resignada - opinião sobre a corrupção no Brasil:
"Todo governo que está há muito tempo no poder, começa a roubar bastante. Está na hora de mudar de governo para deixar que os novos comecem a roubar aos poucos. E quando estes estiverem roubando bastante, troca-se de novo."
Teve quem risse daquele intrometido comentário.
Não me arrisquei a rebater e a conversa terminou por ali.

Passada a eleição e alguns meses, tomo consciência da sábia resignação daquele homem, ao perceber que antigamente as notícias de corrupção davam nota de "milhares de reais desviados".
Nos anos seguintes, as cifras chegavam a marca de "milhões de reais" roubados dos cofres públicos.
Mais recente, a crise do atual governo nos apresenta rombos de "bilhões de reais".
Porém, os últimos relatórios agora apontam que o rombo dos desvios e má administração dinheiro público da sociedade brasileira é de "MEIO TRILHÃO DE REAIS".


Enquanto isso, na contramão da política nacional e do crescimento da rapina do dinheiro brasileiro, ontem à tarde reencontrei aquele velho senhor na padaria; ele queria comprar pão, queijo e presunto, mas contando as moedas - e vendo seu dinheiro desvalorizado minguar no bolso - percebeu que só poderia comprar quatro cacetinhos e 200 gramas de mortadela. Sempre sorrindo, ao me ver, ainda disse:

"Pois é meu filho, banquetes só fazem lá em Brasília. Por enquanto, acho que agora vou precisar esperar mais quatro anos (isso se eu viver até lá) pra ver se ainda conseguirei tomar um bom café."