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terça-feira, 24 de junho de 2014

O PRIMEIRO AMOR NÃO FOI ON-LINE

Meu primeiro amor não surgiu de um clique numa rede social; não nos conhecemos de fora pra dentro, através de conversas em chats; meu primeiro amor não despertou através de mensagens de celular; não se originou de uma curtida; meu primeiro amor nasceu aos poucos, lento como internet de 56kb - e que sequer usávamos-.
Estudávamos na mesma escola onde nossas mães lecionavam.
Quando nos conhecemos ela estudava na primeira série, na turma onde minha mãe dava aula; eu estava na terceira série, na turma ao lado da sala de aula onde a mãe dela era professora.
A primeira vez que conversamos foi numa tarde de outono, quando voltávamos todos de carona no carro de outra professora e sentamos um do lado do outro. Não lembro ao certo quem sorriu primeiro para o outro (acredito que tenha sido ela, dado o meu nervosismo), assim como não lembro quem falou primeiro. Só lembro de me despedir dela através do para-brisa do carro após ela e a mãe dela terem descido primeiro.
Naquele mesmo ano eu dancei com ela na festa junina. Foi a primeira vez que percebi o verde dos olhos dela.
Graças à amizade entre nossas mães, fui convidado para o aniversário dela. Quando entreguei o presente pra ela, ganhei um abraço meio forçado dela, depois de ter ouvido da sua mãe: “Agradeça ao presente, minha filha!”. Mas naquela tarde ela fez questão de me mostrar toda casa e deixou de dar atenção aos outros convidados para brincar por mais tempo comigo. Antes de ir embora, ainda tiramos uma foto, sentados no sofá, sob os olhares sugestivos de nossos pais. (Felizmente – ou infelizmente – perdi a tal foto, meu rosto de vergonha era digno de pena).
No final daquele ano nossos caminhos se descruzaram e passei alguns anos sem vê-la.
Eu já estava no primeiro ano do ensino médio quando a reencontrei.
Era outono novamente e eu voltava pra casa com alguns amigos quando passei por ela na rua e a reconheci. Ela me olhou e sorriu; eu apenas perdi a noção de tempo e espaço; sem conseguir lhe dizer uma palavra, ainda tive que voltar pra casa sob risadas dos amigos que se divertiram com a cena.
Não haviam meios de comunicação como hoje (internet, celulares, sms), poucas eram as casas que tinham telefone fixo. Mas eu ainda lembrava do endereço da casa dela. Escrevi uma carta, atravessei a cidade de ônibus e deixei o envelope na janela do quarto dela, que fazia frente pra rua. Um mês depois encontrei um bilhete na porta da minha casa. Assim seguimos por meses conversando quinzenalmente, através de cartas que, envergonhadamente, eu enviava por um vizinho meu, que eu pagava com pacotes de bolachinhas cada ida dele. Meses depois descobri que ele não fazia aquele favor por causa das bolachinhas; ele também havia se apaixonado por ela e via naquela oportunidade uma forma de dizer oi pra ela.
Um dia combinamos de nos encontrar em uma lanchonete. Eu cheguei quase uma hora antes do combinado; ela chegou na hora. Nunca comi um cachorro quente tão devagar, para aproveitar o tempo; ela, envergonhada, comeu apenas metade. O pouco que conversamos foi sobre nossas mães e as matérias que estávamos estudando na escola. Depois acompanhei ela até metade do caminho, para evitar que sua mãe nos visse (mesmo ambas as mães sabendo de nosso encontro).
Naquele mesmo mês fomos num baile de gala no Tênis Club. Ela desceu do carro usando um vestido verde; eu pela primeira vez usava smoking.
Durante toda festa as únicas duas conversas que tivemos foram iniciadas por mim e sem muito diálogo entre as partes:
“- Vamos comprar um guaraná?” Perguntei. “- Vamos!” Respondeu ela.
“- Acho que já está tarde, queres ir embora?” Consultei. “Vamos!” Respondeu novamente ela.
O ponto alto da noite foi a hora que segurei da mão dela para atravessarmos o salão e sairmos da festa.
Paguei o taxista e pedi que lhe deixasse em casa. Não sabia que ao entrar naquele taxi eu não a veria por mais dois anos.

Eu já estava concluindo o ensino médio quando alguns amigos me convidaram para uma festinha de garagem que os jovens da nossa época faziam. Qual a minha surpresa, quando vi que a festa era nos blocos onde ela morava.
Assim nos reencontramos e – pela primeira vez – conversamos por horas. Naquele mesmo final de semana, ela convidou algumas amigas e veio com elas, conversar com a minha turma que sempre se reunia numa esquina de perto de casa aos domingos. Algum amigo estava escutando Legião Urbana no seu walkman quando ambos dissemos ao mesmo tempo gostar de Legião.
Quando ela foi embora chamei ela e pedi um beijo; ela disse que não podia e saiu apressada.
Meu domingo foi tão melancólico quanto o trecho “Quem inventou o amor? / Explica, por favor” da música de Renato Russo.
Porém na outra semana eu estava saindo de casa quando vi um bilhete entrando por baixo da porta. Era ela! Esperei ela sair apressada, enquanto olhava pelo “olho mágico” da porta e abri aquele bilhete com um pedido de desculpas e perguntando quando poderíamos nos ver. Saí correndo, a tempo de alcança-la na parada de ônibus, antes que o coletivo chegasse e a beijei.
Um beijo que no suspiro de algum de nós, fez meus óculos de embaçar. Parei para limpar os óculos e quando vi ela já estava dentro do ônibus, me acenando tchau.

Por mais alguns meses continuamos nos vendo; eu a buscava da escola, nos encontrávamos aos finais de semana, lhe acompanhava a pé até em casa e, por mais que eu force a memória, não consigo lembrar como terminou nosso curto namoro.
Continuei a vê-la eventualmente na rua; certa vez vi ela numa festa; anos depois vi passar por mim com sua filha no carrinho de bebê. Por fim, nunca mais a vi. Nunca mais soube notícias dela. São os vieses da vida que nos distanciaram. Uns chamam de destino; eu chamo de “caminhos”.

O amor que eu vi nascer e crescer ao longo de anos, lento e gradual, me fez refletir sobre esta pressa e falta de amor nos dias de hoje. Pulam-se etapas, acelera-se um sentimento que por vezes, prematuro, nem chega a existir. Rapidamente substituímos pessoas e, por fim, não amamos, apenas enganamos o sentimento com falsas emoções de momento, fugazes, efêmeras, passageiras, e que não deixam marcas em nós.
Afinal, o amor deixa marcas. Marcas da lembrança um olhar na escola, marcas do som de um primeiro “oi”, marcas de um bilhete enviado e respondido, marcas ao recordar da primeira vez que pegamos a mão de uma pessoa, e marcas de um primeiro beijo com suspiros. E mesmo que não tenha dado certo, permanecerá marcado na memória, como quando toca aquela música que nos faz lembrar daquela pessoa.
Se não marcou, é porque não foi amor; foram apenas mensagens, sms, cliques e touchs, que ficam ali, temporariamente armazenadas em alguma memória virtual, e quando não as queremos mais, esvaziamos a pasta, deletamos e jogamos na lixeira.
Meu primeiro amor não conheceu mundo virtual, on-line.
Meu primeiro amor foi real, off-line.
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Naquela mesma época, um seriado norte-americano embalava minhas tardes: