Se existe uma maneira de se "sentir a história” é quando apreciamos uma xícara de café. Pois, para que esta bebida negra seja servida em sua mesa foi necessário que muitos povos, com suas mais diversas culturas, ao longo de séculos, permitissem que agora você deguste a história.
Na África, por volta do século
VI, que um pastor de cabras percebeu que seus animais excitavam-se ao consumir
umas frutas vermelhas que nasciam de flores brancas. Teria então o pastor
provado da fruta e assim espalhado o hábito pela região. Esta é a chamada “Lenda
de Kaldi”.
Inicialmente seu consumo era
através de fermentação, tornando a bebida alcóolica; também eram utilizadas suas
folhas, numa espécie de infusão semelhante ao chá. Apenas há cerca de 1.000 anos
– após o fruto ter atravessado o Mar Vermelho, pela Península Arábica – que se obteve o caldo
preto, como hoje é conhecido (resultado de sua torrefação e moagem), e assim ganhou o Oriente Médio,
sendo aos poucos incorporado até no hábito noturno de monges que, em suas vigílias e
rezas, bebiam o café como forma de substituir o consumo de bebida alcóolica
(condenada pelo Alcorão). Tão importante se tornou o café na cultura árabe, que
mulheres podiam pedir o divórcio, caso o cônjuge não provesse a casa com determinada quantia do produto.
Após o fim da Idade Média, e o renascimento
comercial que religou Ocidente e Oriente, o café ganhou as mesas europeias,
entrando através de Veneza (1615), sendo considerado produto de luxo. Ainda
dominados pela Igreja Católica, que arbitrava severamente o mundo ocidental, a poção
negra chegou a ser acusada de “bebida do diabo” e considerada herética. Foi
necessário que o Papa Clemente VIII a provasse e, aprovando, tornasse-a uma
bebida cristã. O mundo europeu e colonialista, começava a consumir, e
tornar habitual em sua cultura, o café, espalhado agora ao redor do mundo.
Ávidos de lucro, holandeses plantavam
em ilhas no Oceano Índico.
Absoluto, o “Rei Sol” Luís XIV
ordenava que cultivassem espécies em suas colônias na América Central.
Malandros, brasileiros trouxeram escondido (a mando do governo colonial) mudas da Guiana Francesa e iniciaram seu cultivo
no Grão-Pará.
Prejudicados pelo comércio
competitivo do açúcar e com as minas gerais esgotadas, mudas da planta foram trazidas para
próximo da capital da colônia e a região fluminense deu o impulso que
precisava à produção em larga escala, aproveitando o clima, o solo e a
mão-de-obra escrava abundante. Ao chegar ao Brasil, em 1808, e decretar a Abertura
dos Portos Às Nações Amigas, Dom João VI colocou o café – e o próprio Brasil – na vitrine do
mundo.
O Vale do Paraíba enriqueceu com
a produção cafeeira. Escravos, que na década de 1850 custavam 500 mil réis, na
década seguinte valiam 100% mais. Aumentavam om lucros do jovem império; a
região florescia junto com a flor branca que dava frutos vermelhos. O café era responsável
por 56,8% de toda exportação brasileira. Mas de tanto explorar o solo carioca, este se esgotou, fazendo com que se buscassem novas áreas para o plantio: o
Oeste Paulista.
A região logo enriqueceu. A
floresta atlântica foi devastada naquela região para dar lugar às fazendas que
nasciam. Vieram as ferrovias para ligar o polo produtor aos portos no litoral. A
mão-de-obra escrava, além de encarecer o produto, não era tecnicamente
preparada, atravancava o capitalismo e, por isso, imigrantes foram trazidos para dinamizar ainda mais o
trabalho. Italianos deixavam suas terras buscando vida nova na América cafeeira;
japoneses atravessavam o mundo em busca de emprego no Novo Mundo. Daqui do sul
saía o charque para alimentar os trabalhadores dos cafezais. São Paulo se
industrializava graças à semente torrada. O mundo consumia cada vez mais a bebida
amarga.
Caía o Império, nascia a
República e presidentes foram eleitos em função da defesa do grão (tão
importante se tornara o gênero, que um período da história do Brasil leva seu
nome: República do Café-com-Leite). Oligarquias se alternaram no poder; o
coronelismo defendia interesses próprios. Grandes artistas, como Cândido
Portinari (nascido em uma fazenda de café), ganhavam notoriedade pintando cenas
da produção cafeeira. Revoluções estouravam direta ou indiretamente por causa da bebida negra. A crise de 1929 afetou toda a enorme produção do grão
brasileiro; seu preço despencava no mercado internacional. Vargas, no seu golpe
de 1930, virou a xícara e derrubou o café-com-leite. E mesmo assim, o café
continuava sendo consumido no mundo todo. Já fazia parte enraizada da nossa
cultura esta frutinha vermelha descoberta centenas de anos antes, do outro lado
do mundo.
O café do mundo, agora era brasileiro;
o Brasil, de muitas cores, agora era moreno como o café.
Por isso quando seguramos uma
xícara dessa bebida quente, densa e amarga, temos nas mãos todos aqueles povos
e homens que atravessaram continentes cultivando. Quando sentimos seu aroma,
temos nas narinas a essência do tempo; e quando bebemos o café podemos, de
forma sublime, sentir o gosto da história.
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Aceita, então, tomar um
cafezinho?
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