No filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen, o personagem de Owen Wilson sai para caminhar, a noite, pelas ruas da Cidade Luz e acaba entrando numa viagem no tempo, surrealista, mergulhando na década de 20, conhecendo artistas e celebridades da época.
O escritor Gil (Wilson) em suas saídas noturnas convivia com Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Salvador Dali, Pablo Picasso, Cole Porter, Luis Buñuel e tantos outros ícones da "época de ouro" que vão acabar lhe inspirando no seu ofício; porém lhe causando contratempos no mundo real.
O cenário de Woody Allen, extremamente belo para turistas do mundo todo, como também para servir de pano de fundo para a história do jovem escritor, para muitos só é possível de ser admirado em telas de cinema.
Mas perto de nós existem cenários belos que negligentemente não vemos.
Esta semana destacava em meu programa de rádio a meteorologia, que marcava chuva na cidade e, euforicamente, aguardei a mudança do tempo para poder – a exemplo de Gil – viajar para uma Uruguaiana que poucos conhecem.
Saí na tarde quente, de chuva fina, bebendo o amargo doce, acompanhado da poesia de Glaucus Saraiva, que me fez imaginar aqueles índios (charruas, minuanos a guaranis) que nesta campa, antes de ser cidade, dominaram tal cenário, bebendo o mate verde que hoje temos deles por herança.
Migrei à Idade Média, me rendendo aos encantos teocêntricos; contemplando a arquitetura românica e pseudo-gótica das igrejas Catedral e Carmo; me elevando assim para mais perto de Deus, ao olhar para cima, vendo as torres encostarem no céu.
Caminhei pelas largas ruas da cidade, me sentindo dentro dos planos estratégicos de Domingos José de Almeida, que as projetou - sem nunca ter vindo ao município - pensando nas tropas farroupilhas que por aqui passaram para talvez morrer em combate pelo sonho separatista e republicano.
Estive com Generais e Coronéis (Câmara, João Manoel, Vasco Alves, Caxias, Bento Martins, Canabarro) que gravaram seus nomes nas ruas por defender o território que um dia foi invadido pelo inimigo, mas que aqui se rendeu frente ao Imperador e a bravura do gaúcho.
Surpreendi-me com homens revolucionários, chimangos e maragatos, que muitas vezes se cruzaram brutalmente em tribunas ou campos de batalha, e que hoje reencontram-se em placas, com seus nomes na confluência de esquinas.
Percebi o poder que a diplomacia exerce sobre a sociedade e que a guerra é o recurso que apenas os fracos se fazem valer, ao conversar com aquele senhor que recebe diariamente as crianças em seu mármore, no centro da praça.
Filosofei com Wamosy, buscando saber quem sente mais saudade: aquele provinciano que fica ou a nômade formosa que vai?
Conversei mentalmente com os poetas anônimos desta cidade, que assim como eu já admiraram sua mátria, mas esqueceram de transformar em palavras o que só os olhos viram.
Ainda contemplei pequenos detalhes, numa tarde que foi só minha:
A água que corria pela sarjeta.
As copas das arvores que, mais baixas por causa da chuva, mostravam o telhado de algumas casas.
As eiras e beiras das casas antigas, que se confundem com os prédios modernos que vão surgindo na paisagem.
O tom acinzentado, que só uma tarde de chuva proporciona ao horizonte destas ruas retilíneas, como que pedindo pra seguir em frente.
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Voltar pra casa foi a parte mais difícil. Não sei quando terei outra chance de viajar por dentro da minha cidade. No cotidiano veloz dessa vida moderna, onde aceleramos o carro pra chegar a tempo no trabalho e desviamos a atenção das coisas visíveis e palpáveis do dia-a-dia focados apenas no mundo virtual, eu bem que gostaria que esta tarde não acabasse tão cedo; ou que, pelo menos, voltasse a chover com mais frequência.
Por isso seguirei acompanhando a meteorologia; buscando mais uma chance de passear nestas “meias tardes de Uruguaiana”.