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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

MEIA TARDE EM URUGUAIANA

No filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen, o personagem de Owen Wilson sai para caminhar, a noite, pelas ruas da Cidade Luz e acaba entrando numa viagem no tempo, surrealista, mergulhando na década de 20, conhecendo artistas e celebridades da época.

O escritor Gil (Wilson) em suas saídas noturnas convivia com Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Salvador Dali, Pablo Picasso, Cole Porter, Luis Buñuel e tantos outros ícones da "época de ouro" que vão acabar lhe inspirando no seu ofício; porém lhe causando contratempos no mundo real.

O cenário de Woody Allen, extremamente belo para turistas do mundo todo, como também para servir de pano de fundo para a história do jovem escritor, para muitos só é possível de ser admirado em telas de cinema.

Mas perto de nós existem cenários belos que negligentemente não vemos.

Esta semana destacava em meu programa de rádio a meteorologia, que marcava chuva na cidade e, euforicamente, aguardei a mudança do tempo para poder – a exemplo de Gil – viajar para uma Uruguaiana que poucos conhecem.

Saí na tarde quente, de chuva fina, bebendo o amargo doce, acompanhado da poesia de Glaucus Saraiva, que me fez imaginar aqueles índios (charruas, minuanos a guaranis) que nesta campa, antes de ser cidade, dominaram tal cenário, bebendo o mate verde que hoje temos deles por herança.

Migrei à Idade Média, me rendendo aos encantos teocêntricos; contemplando a arquitetura românica e pseudo-gótica das igrejas Catedral e Carmo; me elevando assim para mais perto de Deus, ao olhar para cima, vendo as torres encostarem no céu.

Caminhei pelas largas ruas da cidade, me sentindo dentro dos planos estratégicos de Domingos José de Almeida, que as projetou - sem nunca ter vindo ao município - pensando nas tropas farroupilhas que por aqui passaram para talvez morrer em combate pelo sonho separatista e republicano.

Estive com Generais e Coronéis (Câmara, João Manoel, Vasco Alves, Caxias, Bento Martins, Canabarro) que gravaram seus nomes nas ruas por defender o território que um dia foi invadido pelo inimigo, mas que aqui se rendeu frente ao Imperador e a bravura do gaúcho.

Surpreendi-me com homens revolucionários, chimangos e maragatos, que muitas vezes se cruzaram brutalmente em tribunas ou campos de batalha, e que hoje reencontram-se em placas, com seus nomes na confluência de esquinas.

Percebi o poder que a diplomacia exerce sobre a sociedade e que a guerra é o recurso que apenas os fracos se fazem valer, ao conversar com aquele senhor que recebe diariamente as crianças em seu mármore, no centro da praça.

Filosofei com Wamosy, buscando saber quem sente mais saudade: aquele provinciano que fica ou a nômade formosa que vai?

Conversei mentalmente com os poetas anônimos desta cidade, que assim como eu já admiraram sua mátria, mas esqueceram de transformar em palavras o que só os olhos viram.

Ainda contemplei pequenos detalhes, numa tarde que foi só minha:

A água que corria pela sarjeta.

As copas das arvores que, mais baixas por causa da chuva, mostravam o telhado de algumas casas.

As eiras e beiras das casas antigas, que se confundem com os prédios modernos que vão surgindo na paisagem.

O tom acinzentado, que só uma tarde de chuva proporciona ao horizonte destas ruas retilíneas, como que pedindo pra seguir em frente.

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Voltar pra casa foi a parte mais difícil. Não sei quando terei outra chance de viajar por dentro da minha cidade. No cotidiano veloz dessa vida moderna, onde aceleramos o carro pra chegar a tempo no trabalho e desviamos a atenção das coisas visíveis e palpáveis do dia-a-dia focados apenas no mundo virtual, eu bem que gostaria que esta tarde não acabasse tão cedo; ou que, pelo menos, voltasse a chover com mais frequência.

Por isso seguirei acompanhando a meteorologia; buscando mais uma chance de passear nestas “meias tardes de Uruguaiana”.



domingo, 12 de fevereiro de 2012

O SORRISO DO POETA CONQUISTADOR

Me chamou a atenção ver aquele rapaz, sentado no bar com os amigos.

Ele, tão divertido, tão espontâneo, tão poético quando das discussões de mundo e de vida, tão carismático com aquele seu sorriso sempre presente no rosto, estava ali, sentado com os amigos, apenas balançando o gelo no copo de refrigerante enquanto os amigos conversavam e riam.

Mas aquele sempre foi o seu ambiente; e aquele sempre foi o seu principal palco. Os amigos, o centro das atenções para si, as mulheres à mercê de seu olhar, o riso contagiante que ele com facilidade sempre conseguiu passar a todos. Vê-lo ali, apenas de corpo presente, me chamou a atenção pelo fato de saber que naquele momento não era aquela pessoa que todos estavam acostumados. Só quem realmente o conhecesse percebeu o momento.

Não me contive e esperei ele se levantar para perguntar o que estava acontecendo.

Ele sorriu – como para alegrar a mim, e não a si – me deu um tapa nas costas e seguiu em direção a copa para pagar sua conta.

Na saída ainda brincou com os amigos e quase que não se despediu, “saindo à francesa”.

Ele, literalmente, não era – naquele momento – a pessoa que todos conheciam. Talvez nunca tivesse sido.

Pelos dias que se seguiram fiquei a me perguntar como que alguém que leva alegria aos outros pode ficar triste. Como alguém com conhecimento e experiência de vida pode – de súbito – se tornar introspectivo. Como alguém, habituado as multidões, sentia-se só em meio às pessoas. Como alguém com a sua facilidade de comunicação e sorte para relacionamentos (fossem eles longos ou curtos) sequer buscou alguma ação, enquanto as mulheres olhavam para ele, sabendo que na verdade ele deveria estar se fazendo valer de seu principal dom: a conquista. Porem, eu não podia bancar o inconveniente e sanar minhas duvidas com uma pessoa que não estava a fim de dialogar.

Por isso fui buscar na história e nos personagens clássicos a resposta para aquela curiosidade simples da vida e, lendo, percebi que quase que a maioria dos poetas dos quais hoje tiramos frases e lições de vida foram vitimas de suas próprias palavras e não conseguiram levar a vida que apenas conseguiram descrever em palavras. Nietzsche vislumbrou que o homem não era apenas a vontade de sobreviver, mas de vencer. Porém, morreu vítima de uma loucura onde alternou comportamentos que o levaram a encarnar Dionísio (deus grego) e por fim o silêncio derradeiro em seu leito de morte.

Notei que o lendário Don Juan se tornou um dos maiores conquistadores da historia – frio em sentimentos e impiedoso com as mulheres – por ter sido vitimado da doença do coração partido. Não distante, Casanova, na Italia do século XVIII cortejou e ganhou o coração de milhares de mulheres, fazendo do jogo da conquista sua principal arma e no sexo encontrou a fuga que sempre buscou para não enfrentar o amor.

Alguns homens, feridos em sentimentos, investem-se de uma personalidade que não lhes é sua – de forma defensiva – para evitar maiores feridas emocionais.

Percebi também que nem todo o palhaço é cômico quando está longe do palco.

A lágrima na sua maquiagem reflete a realidade depois que a luz do picadeiro se apaga. O maior de todos os palhaços do cinema não sorria tanto longe das câmeras. Mesmo assim Chaplin compôs uma das músicas mais bonitas de todos os tempos, onde pede que as pessoas sorriam, mesmo com o coração doendo.

O sorriso muitas vezes é o subterfúgio para aqueles que choram por dentro.


Foi então que diagnostiquei aquele meu amigo e conclui que:

Nem todo aquele que ensina sobre a vida sabe fazer da sua própria vida um exemplo.

Nem todo aquele que sorri por dentro está feliz.

E nem todo aquele que desperta o amor, consegue amar.

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Hoje entendo o silêncio daquele meu amigo naquela mesa de bar.

Outro dia passei por ele caminhando tomando seu mate, e vi em sua postura - agora séria - que as palavras de ensinamento dele estão sendo ministradas em beneficio próprio. Senti que seus sentimentos agora querem se desfazer da armadura impenetrável que ele mesmo se investiu. E vi em seus olhos um novo sorriso. Não mais aquele que antes estava apenas em seu rosto, mas um que hoje parte de seu coração.






quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

AS VIÚVAS DO MURO DE BERLIM

A década de 1980 foi decisiva para determinar o rumo da história contemporânea.
O resfriamento da já morna Guerra-Fria, o início da globalização com o auxílio dos meios de comunicação que surgiam, o Consenso de Washington, a Perestróica e Glasnost que levaram ao esfacelamento total da União Soviética, mostravam que o sonho do socialismo chegava melancolicamente ao fim, tendo como cereja do bolo a Queda do Muro de Berlim.
Mas aqueles tijolos derrubados, para muitos, não representaram o fim da utopia. O sonho socialista continuou presente, latente, pungente, por mais de uma década, na figura dos que eu chamo de “Viúvas do Muro de Berlim”.
Sociólogos, ideólogos, filósofos, professores e políticos que viveram o fim daquele período, mesmo sabendo do fim de uma era, insistiram em manter vivo o já morto sistema, incutindo idéias em jovens estudantes e na população passiva. Ali nascia a ultima geração da derrocada socialista.
Durante os anos que se seguiram, ainda houveram alguns suspiros de esquerda. Com ascensões meteóricas de governos em alguns determinados países. Líderes caricaturais de nações pateticamente fracas. Protestos espalhados pelo mundo e tentativas de retomada do poder (que na verdade nunca lhes pertenceu) em convenções e fóruns.
E hoje?
Quem são as expressões do socialismo? Os cômicos Chavez e Morales; o moribundo Castro; o finado Kim Jong il. No Brasil não se pode citar Lula e Dilma como expressões de esquerda porque Lula (o sindicalista das classes baixas operarias) deu continuidade para vários projetos do antigo governo e privilegiou a classe média alta e alta, enquanto a Dilma (a guerrilheira que pegava em armas) já está sendo apelidada de “mãe das privatizações” – com apenas um ano de governo.
Onde estão as potências vermelhas? A China, cada vez mais aberta ao capital internacional, representando uma simbiose daquilo que mais podre tem cada um dos sistemas. E Cuba, que agonizante, foi reintegrada a OEA e hoje, tenho certeza, implora pra voltar a ser aquele bordel norte-americano da década de 50, onde pelo menos recebia gordas injeções financeiras.
Que solução o Fórum Social Mundial encontrou para derrubar o capitalismo? Hoje, com mais de uma década, os organizadores daquele mega evento estudam formas de, pelo menos, preservá-lo, mantendo viva a esperança de Marx, buscando “alternativas” para aquilo que atualmente não passa de um festival.
No passar dos últimos anos o que se viu foi muita gritaria em vão. Muito protesto sem retorno e choro, muito choro.
Mas gritar, protestar e chorar é o que faz todo aquele que perde um ente querido.
E hoje, aqui nessa cerimônia, lembramos da memória daquele sistema que morreu.
Às viúvas, nossas condolências.
Se bem que com todo choro e luto, por debaixo do vestido preto, eu sei que elas usam calcinha cara, de grife famosa (coisas do capitalismo).