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domingo, 31 de março de 2013

QUANDO DESPERTA O AMOR

   Meu filho Dartagnan e eu temos vários hábitos. Jogamos videogame juntos; assistimos filmes infantis, de ação, aventura e até dramas e gostamos de prever as cenas; brincamos usando uma linguagem só nossa; mesmo com sua tenra idade, discutimos sobre culinária e cozinhamos; ele me questiona sobre assuntos complicados e eu tento lhe responder com exemplos simples; pescamos lambaris fins de tarde no Rio Uruguai; e sempre aos domingos e feriados saímos de carro a percorrer a cidade, tomando mate.
   Na tarde de hoje, domingo de Páscoa, enquanto rodávamos a cidade, passamos por uma casa e percebi que ele fixou seu olhar nas pessoas que estavam sentadas na frente. Não lhe perguntei nada, apenas segui dirigindo. Dartagnan então me pediu para dar a volta e passar de novo ali. Perguntei qual o motivo ele me respondeu: “- Ali mora a minha colega (nome). E eu gosto dela.”
   Quando chegamos em casa Dartagnan me perguntou se poderíamos levar algum presente de Páscoa para sua colega. Respondi que não haveria como, pois é domingo e não teríamos onde comprar chocolate. Ele então disse que daria um dos vários ovos de páscoa que ganhou. Novamente tentei dissuadi-lo de fazer o que queria, dizendo que deixaríamos para levar amanhã ou outro dia.

   Determinado, ele me pediu que levássemos ainda naquela noite, enquanto ainda era dia de páscoa.
   Comovido pela sua insistência preparamos o presente e fomos levar à sua coleguinha.
   Durante o percurso até a casa da coleguinha de aula de Dartagnan voltei à minha infância; aqueles meus tempos de escola; retornei à tardes hoje já acinzentadas e quase esquecidas na memória. Professoras, amigos de sala de aula e meninas coleguinhas por quem eu cultivava amores platônicos que nunca foram correspondidos. Lembrei daquela menina que sentava ao meu lado na quarta-série, mas que hoje não lembro mais seu nome. Quantas vezes fui pra escola pensando se ela algum dia notaria em mim, me pediria a borracha emprestada ou sentaria em dupla comigo para fazer algum trabalho. Perdi as contas de quantas vezes me pegava imaginando o que conversar com ela. Por medo nunca fiz nada. Terminamos a escola e nossos caminhos se desfizeram. Sofri com sentimentos em silêncio, aprendendo logo na infância dores de adultos.
   Vi naquele olhar luzente de meu filho o momento em que despertamos para o amor. A noite caia calma com tons de púrpura como que coroando o cenário de um filme infantil. Tudo estava belo, perfeito. Nascia naquele momento um coração apaixonado.
   Ele parecia calmo; olhava atentamente para o laço do presente e certamente decorava mentalmente algumas falas. Quem estava nervoso era eu.
   Quando chegamos na casa da menina os pais dela estavam sentados na frente. Senti junto com Darta o peso do mundo nas suas costas. Sem me olhar, desceu do carro, deu boa noite e perguntou pela colega. Sua mãe disse que ela estava na sala e que passasse. Mesmo distante, consegui escutar sua única, curta e trêmula frase: “Oi, vim te trazer um presente. Feliz Páscoa!”.
   Aqueles segundos que pra ele foram longas horas de ansiedade e euforia, foram também como uma eternidade para mim. Pois enquanto aquele menino partia rumo ao seu primeiro contato com a vida, eu como pai senti que precisava ajuda-lo, protege-lo, guia-lo naquele momento. Quantas vezes eu sofri por amor? Quantas vezes, enquanto jovem, chorei por alguém? Quantas dores senti por um amor não correspondido? Agora chegava a vez de meu filho. Aquele menininho, que havia descido do carro, estava naquele momento iniciando uma longa e penosa caminhada em busca de seus sentimentos. Nada eu poderia fazer para ampara-lo.
    Nervoso, porém com um leve sorriso no canto da boca, ele se despediu dos pais da coleguinha e entrou de volta no carro. Nada falamos. Ele olhava longe pela janela do carona os outros carros e as pessoas naquela noite de domingo. Tentei imaginar o que estava passando pela sua jovem cabeça naquele momento. Não lhe perguntei nada; até porque quando se está assim não se pensa: é apenas o coração que pulsa.
  Quando chegamos em casa Dartagnan voltou ao seu mundinho de criança: assistiu desenho, jogou videogame (mesmo estando de castigo, deixei), comemos uma pizza e fizemos os deveres de casa. Não comentamos nada sobre o assunto. Não foi preciso; nos conhecemos muito bem e nos entendemos apenas com olhares.
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   Porém percebi que naquela noite mais uma pessoa havia despertado para o amor.

4 comentários:

xynha disse...

Quando se é criança não medimos força, atos ou sentimentos. Apenas sentimentos. E isso é tão puro e tão lindo, que não posso de deixar de dizer, que chorei lendo o texto. Imaginei tudo tão delicadamente, como a criança é um dos seres mais puros que existe. Que bom que todos nós fossemos crianças, mesmo quando adultos. Assim saberíamos lidar com certos acontecimentos com mais pureza e delicadeza.

Paty *-* disse...

Que lindo! E tu escreves tão bem que consegue detalhar sucintamente o momento fazendo com que seja possível imaginar as cenas mas sem tornar a leitura cansativa. Na verdade me senti parte da história por me remeter a lembranças da infância também. Tudo era tão puro, verdadeiro e intenso. Sem mais. Belíssimo texto, ganhou uma seguidora do blog.

Letícia Bolzon Silva disse...

Mazá Pedro! Pior é que é verdade, a gente não pode escapar do amor quando ele chega, mesmo sendo tão jovem.

Letícia Bolzon Silva disse...

Mazá Pedro! Pior que é verdade, quando o amor chega, não dá pra escapar, por mais que se seja jovem :)