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segunda-feira, 19 de março de 2012

A DILMA NUNCA LEU A OBRA DE MAQUIAVEL

Existem momentos, na vida do professor, que são extremamente constrangedores.

Aqueles momentos em que somos surpreendidos por uma pergunta inesperada e que ficamos procurando uma forma de responder tendo que ao mesmo tempo explicar e não desviar do assunto.

Como numa aula de filosofia, quando eu explicava que “cultura é tudo aquilo que fazemos, agimos ou pensamos” e uma aluna perguntou: “Então, se é assim, sexo é cultura, professor?”

Só uma semana depois consegui responder a pergunta da aluna; que não deixava de ter razão no seu questionamento.

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Porém, mais constrangedor é trabalhar a teoria e não conseguir apresentar a prática, tendo como base a sociedade e a política que vivemos.

Foi assim quando, em aula, trabalhando uma questão de vestibular retirada da obra “O Principe”, de Nicolau Maquiavel, que mesmo tendo o gabarito da questão, os alunos e eu esbarramos na contrariedade do texto ao trazermos o tema para os dias de hoje.

Segundo o florentino Maquiavel que em sua mais famosa obra aconselha a como se deve governar cabe ao principe ser amado e temido ao mesmo tempo; só assim ele terá as rédeas do Estado e do povo. E para tanto, seu governo deve ser coeso, forte e fiel (inclusive entre aqueles que lhe ajudam a governar).

A questão de vestibular apresentava este texto em seu enunciado:

“A escolha dos ministros por parte de um príncipe não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher os assessores”.

(MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Pietro Nassetti.São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.)

Livro de cabeceira de muitos governantes – inclusive do maior estrategista da história contemporânea (Napoleão) – O Principe ajudou a unificar reinos esfacelados por guerras, nações divididas em disputas etnicas, países destruídos pela miséria e pela fome. Guiou governos em períodos sombrios da humanidade e manteve muitos tiranos no poder, quando estes se valeram dos ensinamentos de Maquiavel vistos sob outro enfoque.

Mesmo assim estes Chefes de Estado nunca governaram sozinhos e, por isso, sempre precisaram de bases aliadas e assessoria fiel e de qualidade. Assim, quem leu Maquiavel se manteve no poder, teve aliados, foi amado, temido e – assim como a obra e o autor – entraram para história.

Quando apresentei as alternativas para a resposta do texto destacado, um aluno me ironizou comentando: “Professor, pelo visto, devido à quantidade de ministros que já caíram nesse primeiro ano de governo, a Dilma nunca leu a obra de Maquiavel!”

Novamente fiquei sem reação ao comentário especulativo de um aluno.

Por um momento cheguei a pensar em anular a questão, tendo em vista que a teoria histórica já não se aplica mais à prática, na política atual (o que confundiria ainda mais os jovens cerébros destes meus alunos).

Esbocei um sorriso para o comentário extremamente inteligente e sarcástico do aluno e apenas destaquei a resposta certa, dando continuidade à aula.

Mas com uma coisa eu concordo: A Dilma não leu O Príncipe!

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Não muito longe de Brasília, na contraditória Monarquia Absolutista de Uruguaiana, um governo teve, em seus 7 anos de gestão, uma ciranda ministerial onde já passaram 34 secretários.

Alguém, por aqui, também não andou lendo a obra de Maquiavel.


quarta-feira, 7 de março de 2012

HOJE ENTENDO SARAMAGO

A conversa, que envolvia alunos, funcionários e professores do cursinho, era sobre o vício que a internet hoje nos causa. A dependência virtual da qual hoje somos escravos e que nos prende frente ao micro-computador, notebook, celular, i-phone e demais tecnologias.

“Hoje entendo Saramago!” Disse o professor de Literatura; agregando cultura ao debate, ao mesmo tempo em que causava dúvidas em outros e despertava curiosidade em mim.

Não quis parecer ignorante perguntando-lhe qual a relação entre o vício da Internet e o pensamento do escritor português. Percebi que precisaria ler Saramago e – quem sabe até – passar horas, frente ao Google, pesquisando nessa fonte de saber extremamente viciante.

Estaria a explicação nos diários pessoais do escritor, intitulados Cadernos de Lanzarote? No proibido Evangelho Segundo Jesus Cristo? No inédito Clarabóia, escrito em 1953, mas somente publicado post mortem, em 2011? Talvez a explicação estivesse em Ensaio Sobre a Lucidez.

Não; a reposta está em Ensaio Sobre a Cegueira.

No livro de 1995 (posteriormente filme, em 2008), Saramago escreve sobre uma “cegueira branca” que atinge epidemicamente uma cidade, onde as vítimas passam a não enxergar nada, apenas uma superfície branca e leitosa. A partir daí, sob quarentena, os contaminados são isolados da sociedade, o governo deixa de lhes atender e a busca pela sobrevivência, agora cega, faz com que os instintos mais primitivos tome conta destas pessoas.

Depois de descobrir o enigma do professor de Literatura, acabei admirando a sinapse feita por ele, mas me obriguei a reconhecer e refletir do mal que nossa sociedade vem padecendo.

Estamos cegos de realidade.

Filhos conversam com pais através de mensagens de texto estando na mesma casa.

Pais acompanham as notas do filho na escola, através de páginas na internet; mas não conhecem os professores.

Amigos não se encontram mais; apenas se cumprimentam curtindo e/ou compartilhando algo interessante ou engraçado.

Vizinhos não se visitam e muitas vezes nem se conhecem pessoalmente, mas se adicionam e só sabem o que o outro está fazendo devido às postagens mais recentes.

Amores surgem devido a frases prontas - de autores pouco importantes -, ou de trechos de músicas, escritas em subnicks de programas de conversa virtual.

Casais se separam ao passo de um clique, alterando o status de relacionamento em redes sociais.

Enquanto isso, no mundo lá fora, a vida real definha lentamente.

Na busca de maior comunicação desenvolvendo técnicas de conexão rápida, o homem acabou se isolando e se desconectando lentamente de sentimentos, afeto, companheirismo, amizade, fraternidade e amor.

O convite para passear pela praça, conversando, deu lugar ao silencioso chat.

A reunião familiar de final de semana foi cancelada devido a insensível mensagem de texto, justificando que infelizmente não poderá se fazer presente porque precisa ficar em casa trabalhando aquele case; quando na verdade ficou adicionando novos amigos virtuais e atualizando seu status.

Os votos de Feliz Natal e Ano Novo deram lugar ao frio email em mala direta para todos os contatos – sejam eles conhecidos ou desconhecidos –.

Hoje chegamos ao ponto de estarmos brancamente cegos ao cúmulo de não enxergarmos mais uma manhã de sol, uma tarde de chuva ou uma noite de lua cheia e céu estrelado; mas postamos nas redes sociais a mudança do clima, sem ao menos levantar da cadeira do computador.

Ofuscados por esta cegueira branca virtual, escurecemos nossos corações; justo num momento onde precisamos de luz, de calor humano e troca de olhares verdadeiros. A vida lá fora nos chama.

Cego, porém consciente, da dependência de internet, tentei escrever este texto usando o mínimo possivel de computador, internet e seus recursos. Sentei na frente de casa, com caderno e caneta na mão para escrever e percebi que infelizmente hoje não temos mais como viver sem estes recursos; afinal, uma hora precisarei transcrever este texto para um arquivo e postar no blog para que outros leiam.

Mesmo assim me convenci que devo diminuir o tempo de acesso; preciso transitar equilibradamente entre estes dois mundos que vivemos hoje; a solução é ser caolho, tanto no mundo real quanto no mundo virtual. E isso é bom, até porque em terra de cego, quem tem um olho é rei.