Existem momentos, na vida do professor, que são extremamente constrangedores.
Aqueles momentos em que somos surpreendidos por uma pergunta inesperada e que ficamos procurando uma forma de responder tendo que ao mesmo tempo explicar e não desviar do assunto.
Como numa aula de filosofia, quando eu explicava que “cultura é tudo aquilo que fazemos, agimos ou pensamos” e uma aluna perguntou: “Então, se é assim, sexo é cultura, professor?”
Só uma semana depois consegui responder a pergunta da aluna; que não deixava de ter razão no seu questionamento.
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Porém, mais constrangedor é trabalhar a teoria e não conseguir apresentar a prática, tendo como base a sociedade e a política que vivemos.
Foi assim quando, em aula, trabalhando uma questão de vestibular retirada da obra “O Principe”, de Nicolau Maquiavel, que mesmo tendo o gabarito da questão, os alunos e eu esbarramos na contrariedade do texto ao trazermos o tema para os dias de hoje.
Segundo o florentino Maquiavel – que em sua mais famosa obra aconselha a como se deve governar – cabe ao principe ser amado e temido ao mesmo tempo; só assim ele terá as rédeas do Estado e do povo. E para tanto, seu governo deve ser coeso, forte e fiel (inclusive entre aqueles que lhe ajudam a governar).
A questão de vestibular apresentava este texto em seu enunciado:
“A escolha dos ministros por parte de um príncipe não é coisa de pouca importância: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Quando estes são eficientes e fiéis, pode-se sempre considerar o príncipe sábio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e manter fidelidade. Mas quando a situação é oposta, pode-se sempre dele fazer mau juízo, porque seu primeiro erro terá sido cometido ao escolher os assessores”.
(MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. de Pietro Nassetti.São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 136.)
Livro de cabeceira de muitos governantes – inclusive do maior estrategista da história contemporânea (Napoleão) – O Principe ajudou a unificar reinos esfacelados por guerras, nações divididas em disputas etnicas, países destruídos pela miséria e pela fome. Guiou governos em períodos sombrios da humanidade e manteve muitos tiranos no poder, quando estes se valeram dos ensinamentos de Maquiavel vistos sob outro enfoque.
Mesmo assim estes Chefes de Estado nunca governaram sozinhos e, por isso, sempre precisaram de bases aliadas e assessoria fiel e de qualidade. Assim, quem leu Maquiavel se manteve no poder, teve aliados, foi amado, temido e – assim como a obra e o autor – entraram para história.
Quando apresentei as alternativas para a resposta do texto destacado, um aluno me ironizou comentando: “Professor, pelo visto, devido à quantidade de ministros que já caíram nesse primeiro ano de governo, a Dilma nunca leu a obra de Maquiavel!”
Novamente fiquei sem reação ao comentário especulativo de um aluno.
Por um momento cheguei a pensar em anular a questão, tendo em vista que a teoria histórica já não se aplica mais à prática, na política atual (o que confundiria ainda mais os jovens cerébros destes meus alunos).
Esbocei um sorriso para o comentário extremamente inteligente e sarcástico do aluno e apenas destaquei a resposta certa, dando continuidade à aula.
Mas com uma coisa eu concordo: A Dilma não leu O Príncipe!
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Não muito longe de Brasília, na contraditória Monarquia Absolutista de Uruguaiana, um governo teve, em seus 7 anos de gestão, uma ciranda ministerial onde já passaram 34 secretários.
Alguém, por aqui, também não andou lendo a obra de Maquiavel.