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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Para humanos inconstantes

Se somos inconstantes em muitas de nossas vontades, em muitos de nossos desejos, em muitas atitudes, não se culpe. Isso é extremamente natural do ser humano.
Fomos por milhões de anos nômades, inconstantes em morada. Não contentes, fomos inconstantes em nos sedentarizar; e hoje, milhares de anos depois, inconstantemente, voltamos atrás: queremos novos ares, viajar, conhecer, sair por aí.
Aquele aluno já não via mais a hora de entrar em férias naquele dezembro; mas em fevereiro já pedia pela volta às aulas.
Aquele jovem contava os meses pra alcançar a maioridade e considerar-se adulto, homem, dono de si. Hoje, aquele homem sente uma saudade pungente da infância; queria, mas não pode voltar à meninice.
Aquele desempregado tinha todo o tempo do mundo, mas queria trabalhar, ganhar a vida, ter seu próprio rendimento. Mas depois de 30 anos na mesma empresa percebe que não foi a vida que passou, foi ele que passou pela vida e nada fez para viver Envelhecido, agora, quer compensar o tempo perdido por ter trabalhado demais e vivido de menos.
Aquele namorado que noivou, casou e viu a vida passar de forma monótona, quis se aventurar; sentir emoções tórridas e viver sensações intensas. Conquistou tudo o que vida lhe proporcionou conquistar; mas quando a poeira sentou meio que sentiu falta do marasmo da vida a dois.
São exemplos que muitos já viveram; protagonistas inconstantes dessas vontades momentâneas da vida, todos já quiseram algo e depois pensaram em voltar à velha rotina.
Tem aqueles que adoram os verões; tem também aqueles que preferem os invernos; alguns querem viver de outonos, mas gostam também das primaveras.
Ele sempre preferiu o outono. Como o urso que prepara-se para uma longa hibernação, faz do outono uma fase preparatória – de pensamentos, hábitos e rotinas – para o resguardo do inverno. Mas esqueceu-se de que não é um urso; é humano: inconstante. E começou a projetar o fim da hibernação, transcendendo o inverno que ainda nem veio, agora à espera da primavera.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

E quando se escreve palavras pra quem não se conhece ainda?


E quando se escreve palavras pra quem não se conhece ainda?
Aquele casalzinho hoje, sentados não no banco da parada de ônibus, mas no meio fio da calçada, completamente despreocupados com o horário do coletivo, fez despertar naquele que passava, apressado – atarefado entre uma ocupação profissional e alguma preocupação familiar – um sentimento que já parecia extinto, mas que permanecerá encubado pelo simples fato de não poder e nem ter para quem externá-lo.
Pra ele que já disse tantas vezes “eu te amo”, sem nem ao menos medir a conseqüência que essas palavras proferidas surtiam em quem as recebia, dizer novamente poderia ser tão fácil, simples como dar bom-dia; mas a voz engasgou, o coração emudeceu e ficou o silêncio, a falta de vontade de repetir tais palavras que – na contra-mão das conseqüências – para ele, trazia depois erros enormes, aumentando o desgosto; a reclusão e o receio de novas falhas terminaram com as palavras que antes estavam nos diários, nas agendas, nos emails e na voz de alguém que amou.
Mas e dizer “eu te amo” pra alguém que não se conhece? Que ainda não se viu, nem se ouviu o nome. Dizer eu te amo para alguém que não se sabe da existência e tampouco existe ainda em sua vida?
Assim, sem culpa, poderia se prometer amor eterno; descrever em palavras a euforia de um coração que de súbito salta quando se vê o ente amado e que apressado descompassa quando se sente a sombra do ciúme e da insegurança. Sem compromisso, diria que mais vale a recompensa de segundos trocando olhares apaixonados para as horas ou dias que passou longe dela.
Não só em palavras, mas em gestos: de uma simples flor colhida de uma árvore à um buquê entregue em público; de um silencioso sim com os semblantes à um "não vivo sem você" ao fim de uma música.
Tocar e ser tocado; beijar o beijo do amor correspondido; olhar os olhos que lhe olham.
Viver a sua vida dentro de outra; conviver a sua realidade mergulhado na realidade dela; descrevendo em palavras o amor sublime do desconhecido.
Ela não existe ainda, mas ele quer dizer que a amará assim que se conhecerem.
Ela existe, mas para ele só existirá depois que seus destinos cruzarem; os laços da vida os enredar e seus caminhos trilharem a mesma via.
Ele já não escrevia há muito tempo; não pronunciava há mais tempo ainda...
Mas não foi ele quem escreveu dessa vez; foi seu coração que pediu pra dizer que as palavras de amor ainda existem.
Ela é que não apareceu para ler e ouvir estas palavras que ainda não foram ditas.
Entre outras vontades, ele quis ver o mar de novo.