Parece que o alienado sou eu!
Até hoje eu achava ser a única pessoa no Brasil que não está
acompanhando a novela das oito, que passa as nove.
Minha mãe e meu filho chegam contar os minutos pra novela
começar. Quando chego em casa, estão os dois sentados na sala e o jantar
esfriando na mesa. Recentemente reativamos a confraria de amigos e durante a
novela não consegui conversar com nenhum deles porque todos se prostraram
frente à TV e deles não consegui ter atenção. No facebook toda hora postam imagens dos personagens, falas que
não entendo e comentários sobre o capitulo anterior; mas na hora da novela até
as redes sociais parecem ficar desertas.
Não sei o nome desta novela; não sei quem é o diretor, não
sei qual o enredo, nem quem são os atores. Apenas fiquei sabendo que retrata a
classe média emergente brasileira, que se baseia num desejo de ódio e vingança e que é
balizada por duas vilãs: Carminha e Rita. Tive que pesquisar este assunto pra
não parecer um E.T. nas conversas informais destas últimas semanas.
A novela faz o Brasil parar.
Porém, outros personagens ocultos, conseguem com
isso permanecerem mais ocultos ainda, e longe do centro das atenções. E o Brasil padece em vários outros setores, na vida real.
Caminhoneiros, pararam, trancaram rodovias, queimam pneus e protestam
contra o governo. Manifestações desse setor prejudicam a economia nacional e
podem levar o problema até mesmo à mesa do consumidor, que desvairado, deixa seu jantar esfriar pra assistir novela.
As universidades federais também pararam (e a culpa não é da
Rita!). Em greve desde maio, professores e funcionários querem reajustes dignos
e condições de trabalho da qual são merecedores. Alunos perdem o semestre,
dinheiro, meses de estudo e de vida. Sem solução aparente – e iminente –
faculdades ameaçam não prestar vestibular, fazendo o sonho de muitos se esvair,
como nas “cenas dos próximos capítulos”. Num ato de protesto agendado aqui em
Uruguaiana, centenas aderiram no facebook, mas pouco mais de vinte pessoas compareceram. E o assunto para se discutir devido à ausência de manifestantes no
evento? É... a Carminha!
Na semana onde haverá o Julgamento do Século (curiosamente e
misteriosamente marcado em data esportiva: as Olimpíadas), Delúbio Soares, José
Genoíno, Marcos Valério, José Dirceu e demais componentes do maior escândalo de
corrupção da história do Brasil vão à júri, sete anos depois da chamada Crise
do Mensalão (2005), que abalou o governo Lula. Mais estranho ainda é perceber
que o romance televisivo das 21 horas teve picos de audiência - jamais alcançados
antes -na semana que antecede o processo. Se naquela época as CPIs e os julgamentos terminavam em pizza, hoje elas
são ritmadas ao som de:
♪ oi oi oi
♪ .
Mas o Brasil quer mesmo é saber de trama de novela; quer se
emocionar com arroubos vingativos e chorar com dramas familiares; o brasileiro
quer se identificar com os personagens, por isso uma novela que retrata a
classe emergente chama tanto à atenção do público alienadamente passivo.
“- Não importa o que está acontecendo lá fora!” Diz a velha
senhora aposentada, sentada na poltrona assistindo o fim jornal, que ela nem prestou atenção, ansiosa para o
início de sua novela, sem se dar conta que o “lá fora” foi ela mesma que elegeu.
“- Preciso postar no face que hoje a Carminha descobre quem
realmente é a Rita.” Pensa aquela moça que, em greve, não tem nada mais pra
fazer senão assistir a dramaturgia das nove.
“- Não me prejudicando é conta. Deixa que se matem lá em
Brasília.” Fala o senhor trabalhador; que depois de um dia de serviço, exausto,
só pensa em sentar e assistir a novelinha e depois ir dormir. Sem saber que de
seu suor saiu o dinheiro para o pagamento de impostos e desvios de dinheiro
público.
-
Enquanto isso, entre a Carminha e a Rita, existe uma outra
personagem que permanece sutilmente oculta a toda trama, tramando contra
todos nós. A grande vilã da novela...
Ela desfila na “Avenida Brasília”
Dilma!